by Andréa de Paiva
Projetar espaços que atendam às diferentes necessidades dos diversos usuários é um dos grandes desafios dos arquitetos. Para fazer isso com maestria, é preciso, entre outras coisas, combinar criatividade, beleza e funcionalidade. Nos últimos anos, porém, uma nova área de conhecimento vem se desenvolvendo e impactando a nossa forma de analisar e projetar ambientes. Conhecida popularmente como neuroarquitetura, essa área interdisciplinar conecta a biologia – principalmente a neurociência – à arquitetura, buscando ampliar o conhecimento sobre a relação entre o ambiente e seus usuários, com foco em como o espaço físico pode influenciar o cérebro e o comportamento.
As diferentes características de cada ambiente – como sua iluminação, seu layout e organização, suas cores, texturas, cheiros, sons e as oportunidades e sensações que ele oferece – afetam a fisiologia do corpo e do cérebro. Tais alterações, por sua vez, resultam não apenas em diferenças na percepção de um mesmo lugar ou de uma mesma situação, mas também em mudanças nos níveis de emoção, na tomada de decisão, no comportamento e até mesmo na saúde e no bem-estar. Ou seja, determinados espaços podem estimular estados mentais de maior criatividade ou autocrítica, estimular a concentração ou a dispersão, aumentar a colaboração ou a competição, facilitar ou prejudicar o aprendizado e a memorização, ou até mesmo contribuir para a recuperação da saúde e para a diminuição da percepção de dor.
O comportamento é apenas o resultado final de uma intrincada equação do organismo. E a arquitetura é uma das variáveis que pode influenciar esse resultado. Nesse sentido, um maior conhecimento sobre essa máquina tão complexa que é o cérebro é um passo importante para a criação de espaços ainda mais eficientes.
A neuroarquitetura busca, então, entender os padrões inatos de funcionamento do cérebro e como o espaço físico pode influenciar sua performance. Por que ficamos mais atentos quando estamos num ambiente com mais iluminação natural? Por que o contato com a natureza contribui para a diminuição dos níveis de stress e o aumento do foco e do bem-estar? Esses são exemplos de reações inatas do cérebro em resposta a determinados estímulos do ambiente. Mas elas não são as únicas a influenciar nosso comportamento.
Hoje nós sabemos que o cérebro humano é plástico e se transforma de acordo com experiências que vivemos ao longo de nossa vida. A linguagem e a cultura dos diferentes grupos – assim como a vivências pessoais de cada um – moldam o cérebro. Isso resulta em diferenças de percepção e comportamento. Assim, a forma como a cor de um ambiente é percebida e afeta as pessoas pode variar dependendo da cultura daquele grupo. Nesse sentido, a neuroarquitetura contribui não apenas para um entendimento mais profundo do ser humano de maneira geral, mas também para um maior conhecimento dos diferentes grupos de usuários dos ambientes que criamos.
Para isso, a neuroarquitetura não se resume apenas a estudos sobre o cérebro, ela contempla também estudos de psicologia, endocrinologia, ciência cognitiva, genética e até mesmo epigenética – uma área relativamente nova que busca estudar como o ambiente interage com os genes, influenciando seu funcionamento ao longo da vida. Com essa gama de estudos sobre o funcionamento do organismo, é possível compreender os mais diversos tipos de efeitos que um ambiente pode gerar no nosso organismo, grande parte deles escapando da nossa percepção consciente.
Mais do que isso, enquanto a maioria desses efeitos acontece de forma pontual – apenas durante a ocupação do espaço que os gerou – alguns deles podem ser mais duradouros, gerando alterações no organismo que podem persistir por muito tempo, mesmo que o espaço em questão já não esteja mais sendo ocupado. Por exemplo, ambientes que estimulem a elevação dos níveis de stress, no longo prazo, podem ser prejudiciais para a saúde do cérebro, o que contribui para desenvolvimento de transtornos como a depressão, além de prejudicar o funcionamento da memória e do aprendizado.
A aplicação da neuroarquitetura pressupõe a combinação de conhecimentos sobre os padrões inatos de funcionamento do cérebro, as memórias culturais dos diferentes grupos de usuários e os diferentes efeitos que a arquitetura pode gerar no curto e no longo prazo. Isso é o que possibilita a criação de espaços ainda mais eficientes. Escolas que não apenas estimulem o aprendizado e a memorização, mas que também deem suporte à formação de identidade e ofereçam os estímulos necessários às diferentes fases de desenvolvimento do cérebro. Hospitais que não apenas contribuam para a recuperação dos pacientes, mas também para a diminuição de seus níveis de stress. Do ponto de vista dos profissionais da saúde, hospitais que colaborem para sua performance e que, no longo prazo, contribuam para a manutenção do seu bem-estar. Finalmente, ambientes corporativos que estimulem estados mentais mais criativos, mais colaborativos e de concentração de acordo com as diversas necessidades de cada atividade.
Mas onde fica a criatividade do arquiteto no meio de tudo isso? Ela se mantém como uma peça fundamental nesse complexo quebra-cabeças que é o ato de projetar. A neuroarquitetura não elimina ou limita as possibilidades criativas do arquiteto. Pelo contrário, para ser aplicada com sucesso ela depende de uma boa estratégia e de muita criatividade. Ela não veio para conflitar, mas para agregar, sendo uma ferramenta importante para apoio à tomada de decisão.
Ainda assim, a neuroarquitetura impacta diretamente a forma de projetar dos arquitetos e designers. Entender de técnicas construtivas e ser criativo não é mais suficiente: é preciso entender também a biologia do ser humano. Os conhecimentos que ela traz sobre nosso organismo e suas necessidades não podem ser ignorados. O desafio aumentou, mas as possibilidades de criar espaços ainda mais eficientes e que gerem impactos positivos no curto e no longo prazo também.