Por Andréa de Paiva
Os estudos no campo da neuroarquitetura permitem que arquitetos e designers compreendam melhor não apenas como o ambiente físico impacta seus usuários, mas também a importância de determinadas qualidades sensoriais que devem estar presentes espaços projetados.
No contexto da pandemia, que acelerou ainda mais a adoção de ambientes virtuais em substituição aos ambientes físicos dos escritórios, essas reflexões podem contribuir ainda mais. Elas podem ajudar arquitetos, designers e as próprias empresas a direcionarem sua atenção para pontos críticos relacionados à territorialidade e aos impactos que a adoção de ambientes virtuais podem gerar na performance e no bem-estar dos colaboradores a longo prazo [1].
Uma informação relevante para tal discussão é que a mesma área no cérebro que processa memórias explícitas de longo prazo (memórias às quais temos acesso consciente, como a memória do que aconteceu numa reunião de trabalho ou dos valores da empresa, por exemplo) [2] também está diretamente envolvida com o processo de orientação e navegação espacial [3]. Isso não é apenas uma coincidência. Apesar dos estudos em neurociência ainda estarem avançando, o fato de uma mesma área estar envolvida nos dois processos aponta para possibilidade de que uma parcela dos neurônios envolvidos no processo de formação de novas memórias também esteja envolvida no processo de orientação espacial. Isso quer dizer que essas duas funções podem ter uma relação de dependência para acontecerem de maneira eficiente. Isto é, a navegação espacial depende da memória e a memorização depende dos estímulos do ambiente [4].
Isso faz sentido quando lembramos dos episódios vividos ao longo da nossa vida. Mesmo que a gente não se lembre do local exato onde eles aconteceram, as lembranças vêm sempre cercadas de estímulos sensoriais do ambiente. Uma viagem com amigos, um piquenique com a família, uma visita a um cliente, todos esses episódios aconteceram em lugares específicos cercados de estímulos sensoriais como cores, texturas, iluminação, cheiros e sons. Essa riqueza sensorial dos diferentes ambientes por onde passamos é um dos elementos que contribui para a formação de novas memórias assim como para a recuperação de memórias armazenadas [5]. Ou seja, a memorização é influenciada, não apenas pelo fato memorizado em si, mas também pelo lugar onde a situação aconteceu.
Mas o que isso tem a ver com o que estamos vivendo atualmente? Com a adoção do home office em maiores proporções, parte dos estímulos sensoriais que receberíamos ocupando o escritório ficaram reduzidos aos estímulos da tela de um computador ou do ambiente no entorno: a nossa casa. Isso significa que reduzimos consideravelmente a riqueza e originalidade dos estímulos. Reuniões com o chefe, uma venda para um cliente ou um treinamento: todos estão acontecendo num mesmo cenário (que para muitos pode ser também o cenário do jantar com a família ou da aula da pós). Ou seja, parte dos estímulos ambientais que nos ajudariam a memorizar e a diferenciar cada uma dessas situações ficou totalmente homogênea, dificultando nossa memorização. Lembrar das pessoas que conhecemos no ambiente virtual ou do que foi dito na última reunião fica mais difícil, o que pode gerar impactos diretos na performance dos colaboradores e na sua autoconfiança.
Por tudo isso, é importante que arquitetos e designers levem em consideração essa perda de estímulos e busquem alternativas para isso. Uma delas, por exemplo, é a criação de ambientes corporativos que contemplem diversos cenários bem marcantes visualmente e diferentes entre si. Assim, no caso de um treinamento ou uma reunião virtual em que o condutor esteja no escritório e os demais em suas casas, o background único e com visual marcante pode contribuir para que o conteúdo discutido seja melhor memorizado. Outra alternativa é orientar os colaboradores a posicionarem sua câmera em casa de modo a mostrar alguma informação interessante e especial da sua residência, como uma decoração específica ou a vista de uma janela ao invés de apenas uma parede branca. Finalmente, é importante ter em mente que a adoção de ambientes virtuais representa ganhos e perdas. E, no caso das perdas, que não se resumem às discutidas neste artigo, é papel também do arquiteto criar espaços que, na medida do possível, contribuam para o reequilíbrio dos estímulos perdidos.
Referências:
[1] Paiva, A. (2020) O Futuro dos Escritórios: insights da NeuroArquitetura para o pós-pandemia. Disponível em neuroau.com.
[2] Thompson, R., Kim, J. (1996) Memory systems in the brain and localization of a memory. PNAS November 26, 1996 93 (24) 13438-13444
[3] O’Keefe, J., Dostrovsky, J. (1971) The hippocampus as a spatial map. Preliminary evidence from unit activity in the freely-moving rat. Brain Research: 1971 Nov;34(1):171-5.
[4] Nadel, L., Payne, J. (2001) Chapter: The Hippocampus, Wayfinding and Episodic Memory. The Neural Basis of Navigation pp 235-247
[5] Hopkin, M. (2004) Link proved between senses and memory. Nature.